Aranhas constroem teias gigantes que fecham estradas na caatinga

16/03/2012 23:46

Aranhas constroem teias gigantes que fecham estradas na caatinga

Qualquer pessoa ou animal que passar pelo local à noite, no escuro, vai cair na teia. E essas aranhas são venenosas.

 

Francisco José

 

Para se embrenhar na caatinga é preciso coragem. Dodó é vaqueiro dos bons. Nossa expedição passou pelo local no dia do aniversário dele.

Os vaqueiros são os personagens que mais se identificam com a caatinga. Eles se vestem de couro e entram na mata cheia de espinho para resgatar os bois desgarrados. Uma missão difícil e arriscada, mas que para eles é apenas uma rotina de trabalho. Dodó diz que o nome de seu cavalo é Perturbado. Mas, na hora de correr... “Fica ligeiro”, garante.

O bisavô de Dódó morreu no meio da caatinga, correndo atrás de boi brabo. O avô ficou cego por conta de uma galhada de espinhos nos olhos. Mesmo assim, contrariando o próprio pai, ele seguiu o mesmo caminho.

Só no período em que a equipe do Globo Repórter esteve no local, vários companheiros tocaram em uma árvore e ficaram com dores insuportáveis. E os vaqueiros entram, batem nela, no espinho, e não acontece nada.

“Às vezes pega no rosto. Dói bastante o espinho dela”, revela Dodó.

Há centenas de árvores com espinhos. E cobras e lagartos. Em uma caminhada, acompanhamos o pesquisador Arnaldo José, que estuda os répteis nessa região da caatinga. O foco do trabalho dele são os lagartos. Ele aponta um lagarto pequeno e de rabo azul e explica: “É uma espécie endêmica daqui. Espécie nova que foi descrita.”

“Os lagartos são predadores de insetos. Eles controlam essas populações de modo geral, inclusive vetores de doenças como Aedes aegypti”, conta o pesquisador.

Pelos estudos que fez, Arnaldo já sabe quais são os maiores predadores do bicho. “A gente já verificou que essa espécie é predada por primatas. Os macacos vêm nos paredões e pegam esses animais. E várias serpentes também.”

Alguns lagartos vivem isolados, embaixo de muralhas de pedra, no que restou da floresta tropical que deu origem à caatinga. A única forma de chegar até a floresta da parte inferior, onde os pesquisadores colocarão armadilhas, é com um sistema de rapel. É preciso tomar cuidado ao andar por essas trilhas.

Bem perto da pedra furada, a bióloga Rute Andrade, do Instituto Butantan, encontrou uma das aranhas mais venenosas da caatinga.

“Só existe aqui essa espécie. Eu homenageei a doutora Niéde Guidon. Por coincidência, eu encontrei essa aranha nova justamente no local onde ela começou a trabalhar, no boqueirão da pedra furada. Tem o nome de Niede Guidone. Perguntei a ela se ela não se ofenderia, por conta do veneno, que é bastante tóxico, e ela ficou bastante feliz”, conta Rute.

O veneno da aranha, como o da serpente, é usado em benefício das pessoas. “A partir do veneno, se faz o soro, que é o que a pessoa toma quando ela é picada. E também tem propriedades que podem vir a ser medicamentos no futuro”, detalhe Rute.

Na caatinga, tem aranhas até no céu! A equipe do Globo Repórter não estava vendo nenhuma aranha até que os pesquisadores avisaram que elas sairiam de uma árvore próxima. Pouco tempo depois, várias começaram a aparecer. Dezenas de aranhas parecem flutuar no ar acima.

“É um comportamento social. Elas vão montar uma teia muito grande. São várias teias individuais conectadas umas às outras, e que facilitam a predação, a captura dos insetos, que é o alimento das aranhas”, explica Rute.

“É um processo muito rápido, mais ou menos uma meia hora. Daqui a pouco nós vamos perceber um enorme lençol. Uma espécie de lençol no meio da estrada. Em torno das 6h da manhã, elas começam a remoção dessas teias, para, no outro dia, começarem tudo de novo”, acrescenta a estudante Joice Ribeiro, da UEPI.

A teia gigante ainda não está completa e já tem seis metros de altura. Qualquer pessoa ou animal que passar pelo local à noite, no escuro, vai cair na teia. E essas aranhas são venenosas. Toda noite, as aranhas fecham a estrada do parque.

Ainda de madrugada, estamos prontos para voar. O vaqueiro Dodó vai conosco. Ele vive por dentro da caatinga, pegando boi. Agora ele terá que reconhecer a caatinga olhando por outro ângulo.

A equipe monta o balão. Curiosos olham. Crianças apontam. O vaqueiro Dodó arregala os olhos. O balão do Globo Repórter nos Céus do Brasil já está pronto para decolar. No alto, Dodó elogia a vista:

“Bonita. Andando pela terra é bem diferente do que aqui no ar. Eu achava que era perigoso, mas com fé em Deus e nesse herói que está junto com a gente, para mim é uma grande novidade”, diz. O “herói” dele é o comandante Feodor.

“Na hora que começou, deu um friozinho na barriga, porque não adianta mentir”, reconhece Dodó.

Do alto, logo percebe-se que não há nenhuma abertura na floresta.

“Se na superfície estiver ventando forte, senta todo mundo no fundo do cesto”, orienta Feodor. “Encosta, empurra, tem corda para segurar. Cuidado para não bater a cabeça no tanque.”

Após alguns instantes, Feodor se prepara para o pouso, que, ele informa, vai balançar muito. A equipe se abaixa. O balão bate em algumas árvores, mas finalmente se mantém firme no chão. A equipe comemora.

“Quando ele começou a pousar, até me lembrei quando estava correndo atrás de boi”, compara Dodó. “A caatinga começou a abrir. Gostei!”

Mas o vaqueiro admite: procurar boi é mais fácil do que voar de balão.